Aline Valek, escritora: 'Toda vez que adicionamos "criativo" a qualquer palavra, surge um arco-íris ao redor dela'

Escritora, ilustradora, comunicadora e podcaster, Aline fala sobre mercado criativo, processo de escrita e como ilustração e escrita se completam

Você já deve ter ouvido falar que texto não é só quando unimos palavras para comunicar algo, mas tudo aquilo que possa ser lido, decodificado e absorvido. Ao longo do tempo, o conceito de textos ampliou para não só textos escritos e verbais, mas também textos orais e visuais. E é sobre esse processo de transformar o mundo em texto que se trata a escrita criativa.

Entrevistamos Aline Valek sobre processo criativo, ilustração, referências, escrita criativa e outros temas relacionados ao seu trabalho e você pode conferir este papo abaixo.

Aline é uma escritora, ilustradora, comunicadora e podcaster brasileira. Autora do romance As águas-vivas não sabem de si (Rocco) e de contos já publicados em várias coletâneas e revistas, como a Superinteressante e a Dragão Brasil. Escreve há 11 anos na internet e é atuante na área de publicação independente. É criadora de Bobagens Imperdíveis, um selo de histórias multi-plataforma, já publicadas em forma de newsletter, zines, livro e podcast. O podcast Bobagens Imperdíveis está em sua segunda temporada e o ebook Bobagens Imperdíveis para atravessar o isolamento é seu mais recente lançamento. Além de dar aulas de processo criativo, também oferece cursos sobre escrita literária, escrita para a internet e sobre zines e autopublicação.

Como você encara o que o mercado nomeia como escrita criativa? Toda escrita é um processo criativo, não?!

Toda vez que adicionamos "criativo" a qualquer palavra, surge um arco-íris ao redor dela! Economia: blé, coisa chata. Economia criativa: opa, interessante, parece jovem, parece algo novo! Quando você adiciona "criativo" a algo que já é por definição uma expressão criativa, o efeito é mais potente: por que praticar escrita se praticar escrita criativa parece muito mais legal?

Arrisco dizer que o uso da palavra "criativo" vai no mesmo caminho de "natural" ou "sustentável" ou qualquer outro rótulo do momento: destacar o diferencial de um produto. Porque é isso que o rótulo faz, transforma em produto. Ajuda a vender. É nesse contexto que eu vejo o termo "escrita criativa" ser usado: está vendendo alguma coisa, nem que seja a ideia da escrita como algo lúdico, divertido.

Como é o seu processo de escrita?

É um pouco divertido sim, mas não é só arco-íris. Aliás, é tudo menos mágica. Envolve muita pesquisa, envolve escrever todos os dias, envolve frustrações com o que não funciona, envolve a satisfação de encontrar soluções e, acima de tudo, envolve muita reescrita. A maior parte do tempo estou reescrevendo algum texto.

Você acredita que existe bloqueio criativo?

Bloqueio criativo é medo, só que com um arco-íris em volta.

O que você faz nas horas livres e o que te inspira?

A vida, tudo o que acontece nela, as conversas que tenho, as pessoas que conheço, as histórias que leio, tudo é alimento para a criação. Só sei escrever sobre as coisas que eu vejo, sobre o que eu vivo, sobre o que me cerca. Cada conversa que eu tenho, cada situação em que me meto, mesmo as mais desagradáveis, estão sujeitas a virar alguma história. Escrever me fez uma colecionadora de memórias em tempo integral; nesse caso, não sei se tenho horas livres!

Quais os temas mais recorrentes na sua obra?

Eu sou bem repetitiva, estou sempre falando de solidão. Só mudo a roupa. Às vezes ela é mais colorida, tipo uma solidão criativa. Mas está sempre lá, como se eu estivesse apenas reescrevendo o mesmo texto, vendo de que formas diferentes consigo falar sobre a mesma coisa.

Quais dicas você daria para quem quer começar a escrever?

Senta e escreve. Do jeito que você pode, o quanto você consegue. Eu sou a pior pessoa para dar dicas e conselhos de escrita, porque acho que quem realmente quer escrever vai escrever, em vez de procurar por dicas. Conselhos de escrita são armadilhas, porque você pode passar uma vida inteira buscando a dica matadora, o grande macete, e nunca se satisfazer, porque isso não existe. Aprender técnicas e trocar ideias com quem escreve é sempre válido, mas é acessório. A escrita só depende de você sentar e escrever. Longe de mim transformar isso em um conselho, mas talvez a única resposta possível a essa pergunta seja: jamais faça seu processo ou sua vontade de escrever depender de dicas e conselhos de outras pessoas, que na verdade estão tão perdidas quanto você!

Como escrita e ilustração se misturam?!

A escrita é só outra forma que encontrei de criar imagens. No final das contas, sou uma ilustradora compulsiva. Ultimamente, estou praticando formas de ilustrar com sons!

Quais os desafios da profissão escritora?

Acho que os mesmos desafios da maioria das profissões: pagar as contas e tentar não surtar no processo.

Você já pode revelar alguma coisa sobre o seu próximo livro?

O título será "Cidades afundam em dias normais" e conta a história de uma cidadezinha no interior do Goiás que começa a afundar dentro de um lago e fica ilhada no meio do Cerrado. Tem uma fotógrafa tentando registrar a história dos moradores e entender o que eles estavam fazendo enquanto esse pequeno apocalipse acontecia, tem uma professora de História obcecada em preservar memórias, tem a jornada artística de um grafiteiro, tem cachorro caramelo, tem um argentino tentando entender um idioma cheio de lacunas e feridas, tem padre náufrago, e claro, tem um monte de histórias de relações rompidas e de gente não conseguindo se entender de jeito nenhum, porque eu estou sempre escrevendo sobre solidão e isolamento, afinal!

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