Dez anos sem Glauco, um cartunista escrachadamente genial
Dono de um estilo cheio de malícia e ingenuidade, artista deixou um legado em personagens que marcaram época, como Geraldão, Dona Marta e o Casal Neuras
Um olhar afiado - e muito debochado - sobre a política, o poder e as estranhezas de todos nós. Uma caneta rápida, capaz de resumir em poucos (mas inimitáveis) traços nossas misérias e alegrias. Um manancial de personagens que marcaram as manhãs do jornal Folha de S. Paulo por mais de três décadas. Um crime bárbaro que acabou precocemente com sua vida e a de seu filho.
Um montão de lembranças deixou o cartunista Glauco, morto há exatos dez anos. Amigo íntimo dos cartunistas Angeli e Laerte, com quem formou o coletivo Los 3 Amigos, o paranaense de Jandaia do Sul era a perna mais escrachada deles, sempre com uma picardia esperta que buscava o riso mesmo em temas espinhosos. Seus personagens, como o célebre Geraldão, Dona Marta ou o Casal Neuras, transbordam malícia e ingenuidade ao mesmo tempo - traduzem assim, talvez, o caráter coletivo brasileiro.
O Casal Neuras, aliás, nasceu das próprias desventuras amorosas que o cartunista viveu com suas namoradas. O Geraldão tinha um pouco dele mesmo. A turma do Zé Apocalipse refletia o desencanto sempre bem-humorado com os rumos da administração pública, do país.
“O tipo de humor dele era muito especial. Ele pegava pesado, mas não era agressivo, tinha uma coisa infantil", descreveu à "Folha" Beatriz Galvão, viúva do artista e criadora do Glauco Cartoon, um site dedicado a conservar a obra dele e difundi-la em produtos que os usuários podem comprar. "Melhor guardar tudo (o que criava, inclusive rascunhos), depois que eu morrer famoso isso vai valer uma nota", ele brincava com os companheiros de redação.
Além das ilustrações, Glauco foi também roteirista. Na TV Globo, participou de programas como "TV Pirata" e "TV Colosso". Para adultos ou crianças - e está aí o Geraldinho para provar, com seus suquinhos e sorvetes no lugar da bebida alcoólica e das drogas do Geraldão -, ele provocava gargalhadas e reflexão. Como todo bom cartunista deveria fazer.
A exceção foi justo ao sair de cena, tão precocemente. Adepto do Santo Daime, Glauco havia fundado uma instituição dedicada ao culto, a Igreja Céu de Maria, no seu sítio na cidade paulista de Osasco. Na madrugada de 12 de março de 2010, foi morto a tiros, aos 53 anos, por um frequentador do centro, que sofria de esquizofrenia. Seu filho, Raoni, de 25, também foi alvejado e perdeu a vida ali. Uma tragédia que deixava o país em choque e um vazio na ilustração brasileira.
Uma década depois, a obra de Glauco permanece - e ainda faz rir e pensar - num país em que, a despeito dos tantos problemas, ele jamais deixou de acreditar.
Você também pode se interessar por:
- Conversas Domestika, com Catalina Estrada
- 8 fatos curiosos sobre John Tenniel, ilustrador de 'Alice no País das Maravilhas'
- Domestika Criativos: Gary Baseman
0 comentários