Terça-feira na Foz
de Catilina Moreira @cati_moreira2
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Naquela terça-feira, tal como em todas as outras durante as férias, tinha saído de casa depois do almoço para ir ter com as meninas à praia da Foz. Já começava a levantar-se algum vento e por isso resolvi apanhar o meu cabelo numa trança embutida. Não me esqueci dos óculos de sol, nem do protetor solar, até porque a minha mãe impossibilitou que isso acontecesse graças ao número infindável de vezes que repetiu no dia anterior «vai estar muito sol, não te esqueças do protetor solar, nem dos óculos de sol. Já puseste no saco para amanhã?». O que me esqueci foi das horas! E Mais uma vez tive de ir a pé com a Maria, por ter perdido o autocarro das 14h.
– Estava aqui a pensar no que vai ser a nossa aula de bodyboard hoje com o Lucas. Sim, porque alguém tem de se preocupar realmente com a aula e não somente ficar a olhar para ele, não é? – provoquei eu. A Maria estava apaixonada pelo Lucas, embora não admitisse completamente.
– Ah por mim a aula pode ser qualquer coisa, desde que o Lucas seja o professor. – disse ela e seguíamos as duas a rir.
Nessa terça-feira íamos começar as aulas de bodyboard com o Lucas. Apostamos com ele que conseguiríamos aprender a fazer bodyboard numa semana. Ele achava que não íamos conseguir, mas ele não me conhecia.
Embora já estivesse vento, àquela hora estava imenso calor e comecei a sentir gotículas de suor a aparecerem na face. Quando estivesse a chegar tinha de verificar com o meu espelhinho se precisava de retocar alguma coisa.
– A propósito da aula, o que disse a tua mãe? Perguntaste-lhe se podias? – perguntou a Maria.
Eu desviei o olhar para o mar à nossa direita e respondi – Claro. – Quando voltei a cara vi que a Maria não estava convencida. Encarava-me de cara séria, mas serena, olhando-me nos olhos. – A sério! Ela disse que não haveria problema, desde que trouxesse a bomba comigo para o caso de alguma emergência, que não vai acontecer. – disse-lhe desta vez olhando para a Maria e esforçando-me por disfarçar os sinais que ela tão bem conhecia de quando não estava a ser sincera. A minha mãe nem sequer sonhava que ia experimentar fazer bodyboard, até porque se ela soubesse tenho a certeza de que não me ia deixar.
– Ok. Tu é que sabes Leo. Mas não te esqueças que o Lucas disse que só aceitaria dar-nos aulas se tivesse a certeza que os nosso pais sabiam.
Comecei a sentir mais calor na face e passei a mão na testa. Já estava a suar bastante. Fazia aquele caminho várias vezes a pé, todas as que em que me atrasava para apanhar o autocarro das 14h. A pé, o caminho demorava cerca de 20 minutos e custava sempre um bocado àquela hora por causa do sol. Naquela terça-feira, porém, estava a custar mais, sentia a respiração a vacilar e as palmas das mãos muito suadas.
– Hoje está mais calor, não achas Mary? – perguntei eu enquanto retirava a minha garrafa de água para um gole.
– Achas?... Com este vento não me parece. – respondeu a Maria – Estás nervosa com a aula?
– Não! – disse eu prontamente. – Tenho a certeza que vai correr bem, até porque não me parece assim tão complicado como o Lucas e Pedro querem fazer parecer. Estão claramente a armarem-se em bons.
– Talvez… – disse a Maria baixinho, olhando para o mar e para a nossa praia cujo areal começava a ficar visível a partir daquele ponto. – Acho que somos as primeiras a chegar.
Estreitei o olhar para ver melhor. Aparentemente seríamos mesmo as primeiras pois não estava ninguém debaixo do nosso guarda-sol de palha habitual. A bandeira estava amarela e o mar estava com alguma ondulação. Continuamos o nosso caminho até ao areal, iniciando a descida pelas escadas na lateral da falésia. Nesta parte do caminho o cheiro a maresia e a Iodo é muito mais intenso, o cheiro que me traz sempre memórias felizes dos meus primeiros tempos de praia com os meu pais. O meu pai sempre gostou muito de ir comigo para as pocinhas que ficam entre as rochas na maré baixa, onde explorávamos juntos as algas que cresciam por ali e escondiam as estrelas do mar e outros tesouros. Era sempre onde encontrávamos as conchas mais bonitas. Agarrei o búzio que pendia no meu fio de prata, a lembrança física que trago sempre comigo desses tempos felizes.
Debaixo do nosso guarda-sol já estava a Joana a estender a toalha. – Olá, meninas. – Acenou a Joana assim que nos viu a chegar.
Disparei a correr – A última a chegar é uma bola de Berlim. – Gritei à Maria a rir. Cheguei ao guarda-sol primeiro que a Maria e desatei a rir – Ah, ah, ah… A Maria é agora oficialmente uma bola de Berlim, cheia de creme gordo, Pof-pof-pof…
- Ai sim? E tu és um… croquete! – disse a Maria assim que chegou e desatou a mandar areia para cima de mim.
– Oh, está quieta. – disse eu, tentando proteger-me dos ataques de areia da Maria com as mãos. – Pronto ok, já percebi, sou um croquete. Estás feliz? – disse enquanto sacudia a minha trança para tentar tirar a areia. – Bom, eu vou ver como está a água. Querem vir?
– Não vão indo, eu dou um mergulho mais daqui a pouco. – disse a Joana, que estava no início do seu ritual de aplicar o protetor solar. Punha sempre o protetor solar só quando chegava à praia e depois ficava uns dez minutos à espera que absorvesse antes de fazer mais alguma coisa.
– Eu vou contigo, mas só ver. Não quero mergulhar já. – disse a Maria
Comecei a andar na direção do mar, com passadas largas enquanto descia o banco de areia. O areal estava bem molhado e com algumas algas amontoadas no cimo do banco de areia: a maré estava a descer. A areia morna do sol ficava cada vez mais molhada e menos morna à medida que me aproximava da beira mar. Nesta praia a areia não era tão grossa como na praia do Sul e talvez por isso, parecia que o frio demorava mais a chegar aos meus pés.
– Não está muito fria hoje pois não Mary? – perguntei quando alcançamos a orla da última onda que se esbatia no areal.
– Está o normal… só o extra frio normal. – respondeu ela, enquanto levantava um pé alternando com o outro com o passar da onda seguinte.
– Vou experimentar a água. – disse enquanto avançava. A zona de rebentação das ondas estava já a ficar mais recuada. Tinha de andar ainda um bocado para que a água estivesse pela zona da cintura e já desse para mergulhar. Como a frequência das ondas era bastante grande, demorei um pouco a chegar à zona de mergulho. Cada vez que uma onda embatia contra mim, apanhando a zona dos joelhos e depois das coxas, eu era forçada a recuar um pouco com a força do mar. Quase nem parecia que a maré estava a descer. Afinal a água estava bem fria, mas como eu já estava quase toda molhada quando cheguei à zona de mergulhar, quase nem me custou entrar completamente na água. Aproveitei uma onda mais forte que já me chegava sob a forma de espuma branca da rebentação e mergulhei de cabeça. De imediato fui impelida para baixo, ficando quase rente à areia, enquanto por cima de mim passava a nuvem branca da espuma da onda rebentada com o barulho de um trovão. Depois um silêncio relativo, apenas acompanhado de rugido abafado longínquo da próxima onda, voltei a emergir.
– Olá, Leo. – disse alguém assim que vim à superfície. Senti um pequeno baque no coração da surpresa e voltei-me para o lado da praia para ver quem era. Alguém se aproximava com um fato de mergulho arrastando uma prancha de bodyboard. Seria o Lucas? Mergulhei a cabeça para trás no mar para alisar o cabelo.
– Ah, olá Pedro. Desculpa, não estava a conseguir perceber que eras tu. – disse eu.
– Então, estás preparada para experimentar… – disse o Pedro e depois deu duas pancadas com a mão na prancha, salpicando água para cima de mim. – Ah ah ah, estás nervosa?
Comecei a ouvir um apito nos meus ouvidos – Achas? Estou ansiosa por começar. Tenho a certeza de que tenho muito mais jeito para o bodyboard do que tu. – disse enquanto lhe mandei água com a mão.
– Sempre quero ver isso. – disse o Pedro esboçando um sorriso cínico. – Para já deixem passar o mestre. Até logo. – Colocou-se deitado de barriga em cima da prancha e seguiu para a rebentação enquanto remava com os braços.
Continuava a ouvir um apito e sentia o coração a bater desenfreadamente, comecei a tremer um pouco. Estava na altura de sair da água.
Quando cheguei ao guarda-sol já tinha chegado mais gente. Cumprimentei com um “olá” e cai na toalha, ficando deitada de barriga para baixo. Fiquei assim algum tempo a tentar aquecer somente com o sol, mas o ventinho que vinha de norte não estava a facilitar-me a vida. Com a cara voltada para o lado contrário ao vento, segurava novamente o meu fio de prata, passando os dedos nas rugosidades que tão bem conhecia do meu búzio. O murmúrio longínquo da rebentação foi me acalmando e fui me sentido cada vez mais calma.
– Leo, o Lucas vem aí! – disse a Joana.
Levantei a cabeça para espreitar: lá vinha ele com a prancha e os pés de pato. Sentei-me na toalha e voltei a ouvir um apito nos meus ouvidos e senti necessidade de suster a respiração.
– Olá meninas, então, estão prontas para começar? – disse o Lucas com um sorriso no olhar e os lábios comprimidos numa expressão de curiosidade enquanto pousava os pés de pato junto à minha toalha.
– Sim, estamos, não é Leo? – disse a Maria aproximando-se mais da minha toalha.
– Claro que sim. Eu nasci pronta para isto! – disse em tom de desafio.
1 comentário
lisathompsonauthor
Professor PlusOlá Catilina e obrigado por compartilhar seu projeto conosco! Compartilhar sua própria escrita pode ser um passo muito corajoso, então agradeço por postá-la aqui.
Adorei o ambiente que vocês criaram aqui: o calor, o mar, o guarda-chuva amarelo, os cheiros! Você realmente capturou um dia na praia e os sentimentos do seu personagem principal. Gostei particularmente de como eles sentiram a necessidade de prender a respiração no final. Bom trabalho!
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