Arte

Adrian Brandon e a arte que dá início a uma conversa

O artista do Brooklyn fala do poder da arte despertar o início de uma conversa a respeito da cultura negra

Adrian Brandon (@ayy.bee) é um artista dedicado a chamar a atenção para as injustiças que a população negra sofre, e a celebrar e criar uma compreensão da cultura negra "e a alegria, diversão e amor compartilhados na nossa comunidade".

Para Adrian, a criatividade sempre foi uma parte enorme de sua identidade. "Eu era aquela criança no fundo da turma que ficava rabiscando ao invés de prestar atenção na aula", ele lembra. Crescendo numa casa cheia de gente que adora o trabalho artesanal - como projetar um menu de brunch para Dia das Mães e colher flores, e elaborar com argila um tabuleiro de xadrez, com todas as peças, para o aniversário do pai - ele agradece aos pais por incitar nele um interesse em arte desde cedo.

Foto por Jordan Nicholson (@jordanloves.life)
Foto por Jordan Nicholson (@jordanloves.life)

“Tenho sorte que meus pais compreenderam a importância da criatividade e me incentivaram desde cedo, não necessariamente a me tornar um artista ou algo assim, mas a compreender que a arte pode ser uma linguagem do amor, que pode mudar o ambiente, que pode criar um lar longe de nossa casa ou contar uma história", diz Brandon.

Desde 2019, ele vem trabalhando em Stolen [Roubado], uma série de retratos pungentes de negros cujas vidas foram roubadas pela polícia. Cada retrato é incompleto porque, além da caneta, Adrian usa o tempo como ferramenta. A idade que o sujeito tinha quando sua vida chegou ao fim determina quanto tempo Adrian passa colorindo cada retrato.

Sempre que Adrian se senta para trabalhar em uma obra, ele coloca um timer: um minuto de cor para cada ano de vida. George Floyd tinha 46 anos quando foi assassinado, então Adrian coloriu seu retrato por 46 minutos. Breonna Taylor tinha 26, então ele coloriu por 26 minutos. Tamir Rice tinha 12, e assim por diante… "Não fico olhando para o relógio, ele fica no canto. Às vezes acho que está quebrado, porque sinto que estou colorindo há mais tempo do que previa. Outras vezes, parece que dispara na metade do tempo", ele diz.

'Stolen'. Breonna Taylor. 26 anos, 26 minutos de cores. Por Adrian Brandon.
'Stolen'. Breonna Taylor. 26 anos, 26 minutos de cores. Por Adrian Brandon.
'Stolen'. Kendrec McDade. 19 anos, 19 minutos de cores. Por Adrian Brandon.
'Stolen'. Kendrec McDade. 19 anos, 19 minutos de cores. Por Adrian Brandon.
'Stolen'. Steven Taylor. 33 anos, 33 minutos de cores. Por Adrian Brandon
'Stolen'. Steven Taylor. 33 anos, 33 minutos de cores. Por Adrian Brandon

“Não esperava que ia me sentir tão ansioso ou estressado ao criar essas obras. Pensei apenas que o espectador ficaria com esse retrato inacabado e só isso seria poderoso o bastante. Não pensei que provocaria essa espécie de performance dentro de mim, comigo pensando 'OK, esse timer vai disparar, como isso afeta o meu processo? Como esses sentimentos de ansiedade e pressa e medo representam ou se relacionam à ideia de pessoas negras sentindo medo e ansiedade vivendo nos Estados Unidos e lidando com a polícia?' Embora eu tenha feito mais de 50 retratos para essa série, esses sentimentos continuam."


Depois de frequentar o colégio em Seattle, Adrian se mudou para Los Angeles, onde estudou arte e arquitetura na faculdade Pitzer. Lá, passou a se sentir mais confiante para se abrir e compartilhar suas vivências como homem negro morando nos Estados Unidos. Descobriu que a sua arte era uma maneira de se envolver com os outros e levá-los a pensar a respeito de tópicos importantes.

“Não aprendi muitas habilidades técnicas [na faculdade], mas aprendi como a arte, para mim, é uma grande ferramenta para falar dos meus sentimentos no que diz respeito a muitas injustiças sociais que as comunidades negras enfrentam. Frequentei muitos espaços dominado por brancos - eu era um de cinco negros da minha turma. Lutei internamente com isso, e a arte virou uma maneira de me conectar com os outros e mostrar minha perspectiva. Não posso falar em nome de todos os negros, claro que não. Tenho minha própria experiência e, na faculdade, aprendi a compartilhar isso e ser mais vulnerável através da minha arte."
'in the paint​, da série 'Chaos'. Por Adrian Brandon.
'in the paint​, da série 'Chaos'. Por Adrian Brandon.
Esboço de Adrian Brandon.
Esboço de Adrian Brandon.

Adrian se lembra de ver o efeito que sua obra podia provocar nos outros após pintar alguns murais.

“Ver como algo que eu criara era capaz de abrir uma conversa ou gerar um artigo ou dois, ou fazer as pessoas pararem a caminho da aula para olhar e pensar, eu amava isso, e acho que essa é a beleza da arte, você consegue compartilhar histórias que outras pessoas não conseguiriam acessar de outra maneira. Era incrivelmente terapêutico. Eu me sentia pessoalmente afetado por muitas das coisas que víamos no mundo: a morte de Trayvon Martin… o movimento Black Lives Matter… Fui sugado emocionalmente nessa direção, e queria descobrir como eu podia me conectar com os outros: a arte era uma linguagem óbvia para mim."

Um desses murais era uma imagem de manifestantes da época da luta por direitos civis, gradualmente virando uma cena de manifestantes de Ferguson; Adrian deixou os cartazes que os manifestantes seguravam em branco e, com o tempo, os alunos do campus passaram a preenchê-los com palavras e sentimentos que os moviam, relacionados ao movimento BLM.

"Pintei [outro] mural de dois rostos grandes com a bandeira dos E.U.A. tremulando atrás deles. Parte da bandeira cobria os olhos do homem branco e a boca do homem negro. Esses murais foram minhas primeiras obras públicas e aprendi como ter uma obra exposta assim gerava uma vulnerabilidade. Acredito que ser vulnerável é algo incrivelmente poderoso. Pintei quatro murais, dois em Los Angeles, um na Costa Rica e um em Taiwan".

'past curfew', da série 'Durag'. Por Adrian Brandon.
'past curfew', da série 'Durag'. Por Adrian Brandon.

Em novembro de 2019, Brandon expôs "Stolen" como parte da sua primeira exposição solo. Para o artista, foi impressionante ver como seu trabalho despertava conversas sobre raça e lembrava as pessoas que nunca podemos ficar anestesiados diante da injustiça. "Acho que o foco agora é continuar para ver onde essa série vai e o quanto pode crescer em alcance, para continuar inspirando pessoas a falarem disso e a refletirem sobre seu papel no movimento e como podem nos ajudar a chegar a um ponto em que nos sintamos seguros."

Em 2018, depois de se inspirar na obra de Karen Goins (@_karen.goins_), Adrian começou a colecionar canetinhas coloridas, aprendendo a misturar cores para criar retratos.

“Canetinhas são minha ferramenta favorita, sem dúvida. O fato de que posso fazer camadas e mesclá-las… Não sou pintor, mas me sinto pintando; não é como a maioria das pessoas usaria uma canetinha. Agora estou explorando lápis de cores e aquarelas junto com as canetinhas - é minha última empreitada. O engraçado é que eu odiava usar cores. Costumava trabalhar com a paleta mais simples, ou monocromático, ou usando o máximo de preto possível. Agora uso cerca de 30 cores para um retrato da série Stolen. Mas as outras obras podem ter até 70 ou 80 cores, então com certeza pirei no uso de cores."


Quando perguntado a respeito das suas preferências de materiais, ele responde: "Minha marca favorita de canetinhas é a Copic Sketch. Adoro o papel Strathmore Bristol, mas uso o papel de desenhos da Strathmore para a série Stolen".

Foi através de muita dedicação que ele aprendeu e aperfeiçoou suas habilidades técnicas. Ele se lembra de montar um desafio para si mesmo, de desenhar um ícone negro da cultura por dia, durante 30 dias, no Mês da História Negra. "Stolen é muito mais pesado, mais difícil de digerir. No resto do meu trabalho, tento ser mais celebratório a respeito da cultura negra. Estamos cansados de ver nossas histórias sempre pelo viés da dor e do sofrimento que enfrentamos, então com certeza preciso criar uma arte que é o oposto disso e que mostra que 'ei, apesar de tudo, ainda somos mágicos e lindos'. É uma emoção tão diferente".

Sua outra obra, uma mescla de peças digitais e desenhadas a mão, abordam de tudo, do poder que o basquete tem de levar uma criança negra a sentir pertencimento, a como janelas podem unir uma comunidade, ou a alegria que uma criança vivencia enquanto corre pelas ruas na sua bicicleta, enquanto sua bandana dança no vento.

'brooklyn windows', por Adrian Brandon
'brooklyn windows', por Adrian Brandon
'brooklyn windows', por Adrian Brandon
'brooklyn windows', por Adrian Brandon
'brooklyn windows', por Adrian Brandon
'brooklyn windows', por Adrian Brandon

“Com certeza desenvolvo o conceito antes de começar a trabalhar. Até de maneira excessiva; não começo a criar antes de ter tudo montado na cabeça. Embora seja útil em certo sentido, às vezes eu deveria só me jogar e brincar para ver o que surge. Mas também prefiro a arte na qual entendo o que o artista quer dizer, com uma mensagem clara. Tem arte que, para mim, soa muito inacessível, e não sei como devo digeri-la. Adoro quando as pessoas percebem minha intenção, desde que compreendam a ideia geral que estou explorando. Isso é muito importante.


Descubra o trabalho de Adrian e visite sua loja online aqui.

Versão em português, por @xnesky.

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