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Simone Kliass: voz como plataforma de conexão e transformação
A locutora e voiceover actress Simone Kliass fala sobre carreira no mercado de voz e as tendências de uma área criativa que floresce em todo o mundo
Plataformas de inteligência artificial como Google Home, Alexa e Siri têm a voz em sua base, uma linguagem simples e essencial que nós seres humanos usamos há séculos. É neste contexto tecnológico que a voz está ganhando importância não somente por fortalecer a relação de marcas e pessoas, mas por ser capaz de transmitir emoções e experiências narrativas que nenhuma outra plataforma de comunicação é capaz.
Entrevistamos Simone Kliass, locutora e VoiceOver actress, sobre sua trajetória profissional, tendências, o momento atual do mercado e pedimos dicas para quem também quer trabalhar com voz. É bem provável, inclusive, que você já tenha ouvido a Simone por ai. É dela a voz do canal GNT, Latam Airlines, Aeroporto de Guarulhos, SKY pay TV e de inúmeras outras marcas. Confira abaixo:
Como você começou a trabalhar no mercado de voz?!
Sou atriz desde os 9 anos de idade, gravava comerciais. Depois passei pro teatro amador, profissional, apresentei programas na TV Cultura, Multishow, Rede TV, Futura, CMT… Iniciei no mercado de locução quando gravei uma campanha publicitária como atriz em uma externa. O som direto não ficou adequado e eu tive que ir numa produtora de som, a Supersonica, me dublar. Me encantei com o estúdio, com as pessoas, com o trabalho logo de cara. Na semana seguinte, eles me chamaram pra gravar uma locução. Estava super insegura não sabia nem a distância que eu deveria ficar do microfone, nada. Fiquei três anos só gravando e aprendendo muito nessa produtora com o Ed Côrtes, Paula Maciel e todo time. No paralelo eu apresentava programas no CMT e TVs Corporativas.
Quando eu me senti mais preparada, comecei a me apresentar para outras produtoras do mercado. Essa profissão é uma construção. Leva tempo e aprendo todos os dias com cada job e cliente até hoje.
Quais foram os desafios? E quais os desafios hoje?
Os desafios foram conseguir entrar no mercado, conquistar espaço, ganhar a confiança dos produtores de áudio. Levou muito tempo e esforço.
Estudei muito, busquei cursos fora (não existia muito conteúdo sobre locução no Brasil), treinei com coaches gringos, li muitos livros sobre locução e home studio, comunicação, administração, marketing…
Montei também meu home studio, investi e invisto muito na qualidade dele que está sempre em evolução. Precisamos também nos adaptar às tendências de interpretação do mercado que está sempre em movimento.
Um desafio hoje é a falsa ideia de que pra fazer locução natural, qualquer pessoa que fale, pode gravar o job. Não é verdade. Pra uma locução natural, coloquial acontecer, tem muita construção, interpretação.
É o mesmo que ocorre em uma atuação natural e coloquial numa cena de filme. O ator/locutor desconstrói o texto, para construir uma interpretação natural, ele se apropria daquele roteiro. Tudo com técnica e estudo.
Mas sinto que nos últimos anos, com o renascimento da valorização do áudio a partir do crescimento dos podcasts e das assistentes virtuais, da voz como interface, voltamos o foco pra importância da voz de uma marca (quais atributos você quer associar a sua marca), pra esse contato tão importante que sua marca tem com o consumidor nessas diferentes plataformas. E o reflexo disso, vai pra publicidade também.
Especialmente agora durante a pandemia onde as campanhas precisam estar apoiadas na voz, na trilha, e no texto, já que as empresas não estão podendo abrir câmera, como antes da pandemia. As imagens utilizadas muitas vezes são de arquivo, ou animações. O que está diferenciando bem as campanhas é o texto, voz, e áudio. As campanhas publicitárias que tenho feito nesses últimos meses são muito profundas e honestas. Mais desafio ainda na hora de gravá-las. Entender o tom certo da comunicação em tempos difíceis.
Como está o mercado de voz no momento? Quais as tendências para este ano?
O mercado estava indo bem no início do ano, com o boom da voz como interface, dos podcasts. Com a pandemia muita coisa mudou. Alguns clientes deixaram de gravar campanhas, por outro lado, outros mercados ampliaram a comunicação com seus consumidores. Estamos todos entendendo como as marcas devem se comunicar diante da pandemia, diante de ações como #blacklivesmatter. Como elas estão se posicionando? A comunicação não foi afetada durante a pandemia. Mudou a forma de se comunicar, como comentei. As campanhas estão mais profundas e honestas. Daqui a pouco o tom deve mudar novamente e vamos começar a ver publicidade de outros produtos que não estavam se comunicando até então.
Durante a pandemia aumentou o número de treinamentos para os funcionários que estão experimentando um home office não programado. Na fase de abertura, os novos procedimentos de segurança deverão ser comunicados. Mais gravações serão necessárias.
Quais as oportunidades para quem quer seguir esta carreira?
Várias oportunidades e em diversos setores. A locução está na audiodescrição, no audiobook, nos podcasts, nas vozes das assistentes virtuais, nos comerciais de TV, rádio e internet, nos tutoriais, nos vídeos de treinamento, institucionais, esperas telefônicas, URAs, comerciais para Spotify, avisos sonoros em transportes públicos, em lojas, aeroportos; chamadas de programação de canais de televisão, aplicativos de meditação, narração de documentários, games, só pra citar alguns exemplos.
Como é o seu processo criativo para criar diferentes identidades sonoras para diferentes clientes?
Em alguns casos recebo um estudo sobre a "persona", normalmente quando é a voz de uma marca. Que idade tem, qual a profissão, se é casada, solteira, tem filhos, quais as características dela e de sua voz, como é a linguagem que ela usa pra se comunicar…
A partir daí, entro nessa personagem, como entro numa personagem quando é um trabalho como atriz.
No dia a dia, quando recebo um texto pra gravar, penso em qual é o público que vai receber a mensagem, qual é a mensagem, como é a empresa, qual o objetivo da mensagem. Peço sempre a trilha que será usada na campanha pra entender o clima, e também peço pra ver as imagens se estiverem disponíveis e pego o briefing com o cliente.
Penso também em referências que posso usar.
Quando não consigo me conectar com o texto, penso em alguma pessoa conhecida a quem a mensagem interessaria e gravo falando pra ela. Isso me ajuda muito a conectar.
Como precificar o trabalho criativo? Quais dicas (ou dica) você dá para quem está começando na carreira ou tem dificuldades para precificar o próprio trabalho?
Tive muita sorte de iniciar o trabalho gravando na Supersônica e a Paula Maciel me orientou como eu devia cobrar as locuções. Ela me ensinou a valorizar a minha profissão logo no início da carreira de locutora. Me dizia que se eu era a locutora daquele job, devia cobrar o valor certo e não cobrar menos porque estava comecando na locução.
Tentar se estabelecer no mercado cobrando menos do que outros profissionais só prejudica todo o mercado. Tem sempre alguém que vai cobrar mais baixo ainda.
Pra se consolidar na carreira de locução, leva muito tempo, anos e anos e precisamos sempre nos reiventar e estudar. Eu recomendo que até que o locutor esteja estabelecido no mercado e possa viver da locução, que ele tenha outro emprego, outra atividade, como eu tive e tenho até hoje. Assim ficamos mais seguros pra aceitar os cachês certos e não entramos nessa disputa de preços. Me considero uma comunicadora. Apresento eventos, vídeos institucionais, criei um evento para profissionais de voz. Atualmente, por exemplo, passei a apresentar eventos em casa no meu estúdio.
Até hoje tenho dificuldade pra precificar jobs novos, e pra isso, eu me informo. Pergunto pra quem é referência naquele mercado quais são os valores. Infelizmente não temos uma tabela formal publicada, mas é uma informacão que os locutores mais experientes sempre compartilham com quem tem dúvida. Não se envergonhe de pedir ajuda pra montar orçamentos. É normal.
Nesses tempos de pandemia muitos profissionais de outras áreas me contataram pedindo orientação pra se tornarem locutores. Alguns falam que ouviram dizer que locutor ganha dinheiro fácil e rapido. Só que não! É uma profissão construída como qualquer outra. O lado bom é que você pode gravar em casa durante esse tempo de isolamento social, mas não existe milagre, e sim, muito muito trabalho e dedicação.
Você pode citar alguns cases/trabalhos que fez?
Atualmente sou a voz oficial do canal GNT, do canal do cliente da SKY, do Cinemark, GRU Airport e de muitas campanhas publicitárias (confira aqui e em www.simonekliass.com).
Sou coach de locução do Edge Studio em NY, co-criadora e curadora do festival Pixel Voice que acontece dentro do Pixel Show e é voltado para profissionais de voz. Palestrante sobre voice branding, comunicação e voz como interface em eventos como SXSW, VO Atlanta, IAB, Path, Rio2C, HackTown. Estudo também voz e narrativa para conteúdo imersivo. Sou fundadora da associação XRBR e narrei experiências imersivas como Wonderful You VR e A Linha (Ricardo Laganaro).
Uma curiosidade: sou a voz do Avast.
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