Giacomo Prestinari: "é possível contar uma história poderosa em 30 segundos"

Conversamos com Giacomo Prestinari, montador de alguns dos comerciais mais famosos da televisão da atualidade
São dele algumas das propagandas que nos fizeram rir e chorar diante da tela da televisão — ou do computador — e a verdade é que muitas delas foram montadas em lugares remotos e inesperados. Isso, no entanto, não só não diminuiu nem um pouco a qualidade do resultado, como parece despertar ainda mais a criatividade de Giacomo Prestinari (@giacomo_prestinari).
Conversamos com ele para saber mais sobre o trabalho de um montador de publicidade audiovisual e descobrir alguns dos segredos por trás de suas melhores propagandas.
Muitas pessoas colaboram na elaboração de uma propaganda. Qual é exatamente a sua função no processo?
Eu me encarrego da montagem, que pode começar durante ou após a filmagem da propaganda. Tudo o que foi rodado acaba na sala de montagem, onde me encarrego de dar estrutura, ritmo e emoção. E, sobretudo, encontro uma forma de contar a história que tem de ser contada nos formatos pré-estabelecidos.
Acredito firmemente que é possível contar uma história poderosa tanto em 90 como em 30 segundos, mas para conseguir isso há todo um processo e um longo trabalho que faço, parte sozinho, parte com o diretor e com a agência.
Só para você ter uma ideia de algo que muita gente não sabe: a proporção de material filmado em publicidade é descomunal. Para uma propaganda de 30 segundos, às vezes recebo 19 horas brutas. Encontrar e vincular apenas os 30 segundos que contam a história da melhor maneira requer paciência e muito (mas muito) trabalho.
Do que mais gosta em trabalhar com publicidade?
Existem basicamente duas coisas de que eu gosto muito neste trabalho. A primeira é a variedade de cada projeto; cada projeto é como um filme, mas todo o processo é tão rápido que se você costuma passar três ou mais meses editando um filme para o cinema, a montagem de uma propaganda é feita em dias (ou semanas em projetos muito grandes).
Isso permite que em um ano você edite propagandas emocionais, pequenas comédias, clipes sofisticados de moda ou sequências de ação. É impossível ficar entediado e isso me dá a oportunidade de experimentar técnicas de montagem muito diferentes.
O outro aspecto de que gosto muito é o encontro constante com pessoas diferentes em cada projeto. Sempre converso com pessoas interessantes e inspiradoras. Quando posso, adoro conversar com o diretor de fotografia de um comercial, para entender por que ele escolheu uma determinada câmera ou lente; ou o cenógrafo, o estilista... Você nunca deixa de aprender e logo posso ver o que aprendi em um plano da propaganda que estou editando. É fascinante.
Como começou a trabalhar nisso?
Comecei com menos de 10 anos, só que não usava clipes de vídeo, apenas peças de LEGO. Construí coisas que não estavam nas instruções e tudo para depois poder fazer uma história com os personagens. Desde que me lembro, sempre fui fascinado pelo ato de narrar histórias.
Com o tempo, aprendi que minha vocação nisso era a montagem, então fiz o curso de montagem na escola de cinema de Milão. Comecei a trabalhar na televisão onde tudo era muito rápido. Milão é a cidade da televisão e da publicidade na Itália, o cinema é feito em Roma.
Um dia vi na TV uma propaganda de um menino e uma menina que corriam atravessando paredes, nada os impedia, corriam inclusive por cima das árvores e saltavam até as estrelas. Aquela propaganda da Levi's foi uma revelação e decidi que queria me dedicar a isso. Comecei em uma produtora de publicidade como montador dos making-ofs das propagandas. Eu me dedicava muito às montagens e eles gostaram tanto que em pouco tempo os produtores perceberam que eu poderia oferecer mais e começaram a me dar trabalhos como montador de propagandas. Tinha começado a correr, havia quebrado a parede e agora desejava as estrelas!
O que você lembra como o maior desafio da sua carreira?
Há exatamente 10 anos montei uma campanha para a FANTA. A ideia era um filme histórico sobre o primo de Erasmo de Rotterdam chamado Robertus. As filmagens foram feitas em Budapeste durante uma semana e foi considerado rodar em 16mm; o problema era que tínhamos que apresentar o resultado em Madri 2 dias depois das filmagens, para transmitir na TV na mesma semana.
A quantidade de material era enorme, sem contar que o diretor deixava muito espaço para a improvisação dos atores e isso gerava muitas opções na montagem. Além disso, como havia sido rodado em filme, tínhamos que esperar pela revelação e digitalização até o final do dia seguinte, para então carregar no computador — esse processo hoje é muito mais rápido, naquela época você recebia uma fita para plugar no computador, dava Play no material e REC no computador e para carregar todo o material bruto levava o tempo de material filmado. Era um processo demorado e entediante.
Lembro que recebi o material no último dia de filmagem, quase no final do dia, antes da apresentação. Foi muito difícil porque não havia tempo disponível para montar toda a história e se distanciar um pouco para melhorar as partes mais fracas. Lembro que, por falta de tempo, ficava editando o tempo todo, até ao voltar de avião. No final, a campanha foi um sucesso, mas o processo foi tão intenso que não parava de me dizer: "se eu puder com esse anúncio, nada poderá comigo no futuro."
E o que você nunca imaginou que acabaria fazendo?
Nunca teria me imaginado editando no meio do deserto entre a China e a Mongólia! Foi uma aventura ver o amanhecer entre as dunas e correr para se refugiar em uma van porque chegou uma tempestade de areia que durou duas horas. Isso eu conto toda vez que ouço alguém dizer: "salas de montagem são lugares tranquilos..."
Quais equipamentos e softwares você costuma usar para trabalhar?
A verdade é que a resposta a essa pergunta é: de tudo. Cada projeto tem suas necessidades e você tem que usar o software e a máquina mais compatível com o que precisa ser editado. Editei séries no Avid Media Composer e comerciais e documentários no Premiere e Final Cut PRO X.
Para a velocidade que as propagandas exigem, até agora, o software que parece melhor responder a essa necessidade para mim é o Final Cut PRO X. É o programa de edição não linear mais atualizado de nossa época, projetado para um mundo onde rodamos e entregamos digitalmente. Avid e Premiere ainda têm heranças de um mundo baseado em filme e são, na verdade, traduções informáticas em muitos aspectos.
Quanto aos equipamentos, eu me movimento no mundo Mac, e hoje dispomos tanto de computadores fixos como de laptops muito potentes. O importante, para mim, é sempre ter uma cadeira confortável e um bom monitor, pois vou passar muitas horas na frente dele.
Qual é sua propaganda favorita?
Além da propaganda da Levi's, de Jonathan Glazer, sou um devorador constante de propagandas. Sou apaixonado pelo trabalho de Daniel Wolfe, no ano passado ele fez uma muito poderosa para a BMW. Adoro como aproveita cada anúncio para fazer quase um filme de cinema.
O trabalho de Seb Edwards também é muito inspirador. Tive a sorte de ver seus comerciais da Lacoste nos cinemas… Uau!
Se tivesse que escolher entre as que editei… Difícil, mudo de ideia todo mês. Mais do que a propaganda em si, ao ver essas imagens, lembro de onde editei, com quem e as emoções desse momento. Mas você pode ver uma seleção do meu trabalho no meu site e depois me dizer de qual gostou mais e por quê ;)
No que está trabalhando ultimamente?
Acabo de editar uma propaganda gigante da Royal Enfield, uma marca de motocicletas indiana. Foi um trabalho muito intenso, pois quase tudo foi desenvolvido remotamente pelo COVID-19. Ainda não foi lançado, então não posso falar muito detalhadamente sobre isso, mas foi uma experiência muito interessante.
Devia ter sido uma montagem on the road na Índia e no final foi editada em casa com um diretor e uma agência remota.
A montagem foi fundamental, pois devido ao que aconteceu no mundo este ano tivemos que mudar a estrutura e a mensagem do filme. Além disso, o último dia de filmagem foi cancelado devido ao estado de alarme em Mumbai, então eu tive que solucionar o fato de que estava faltando o material que não pudemos filmar.
No final, saiu uma propaganda linda, uma das melhores que fiz ultimamente. Tenho muita vontade de mostrá-la.
Quais ingredientes a propaganda perfeita deveria ter?
Acima de tudo, uma ideia criativa muito boa. Propagandas são como filmes; se têm um bom roteiro, têm potencial para se tornarem clássicos.
Depois, a visão de um diretor talentoso que saiba contribuir com ideias e maneiras de contar essa história de uma perspectiva original e única. Felizmente, existem muitos diretores talentosos.
Também liberdade e confiança por parte da agência e do cliente: deixando todos os departamentos livres para contribuir, propor e até trocar o filme ao longo do processo. Já experimentei isso em primeira pessoa e quando existe essa confiança o resultado final sempre é beneficiado.
Por último, tempo. Quanto mais tempo se dá a todos os passos necessários para realizar uma propaganda, melhor ela será, sem dúvida.
Que conselho daria a alguém que está começando nisto?
Primeiro: "não se angustie quando o disco rígido chegar e houver uma montanha de material!" E, além disso, aconselho você a ter paciência, não se reprimir quando achar que tem uma boa ideia, mesmo quando sentir que alguém quer mudar algo que funciona e está piorando o trabalho de alguma forma. Nunca acreditei em "o cliente tem sempre razão".
Nosso ofício é um ofício criativo e o cliente muitas vezes não sabe o que quer. Talvez conheça os objetivos de marketing deste anúncio específico, mas não sabe por que o plano que quer tirar da propaganda é, na verdade, fundamental. É aí que temos que defender nosso trabalho pelo bem do filme: argumentar, explicar, dizer educadamente que não concordamos e por quê. Depois de mais de 15 anos como montador publicitário, sou amigo e tenho um ótimo relacionamento com clientes e criativos com quem, às vezes, literalmente briguei na sala de montagem.
Talvez o melhor conselho seja: sinta paixão por sua montagem, não dá para ficar indiferente diante de algo que ameaça sua paixão.
O que você prevê para o futuro da publicidade?
Dizem que as pessoas não veem mais televisão, e de certo modo isso é verdade. Mas, por outro lado, a verdade é que as "telas de televisão" em nossa vida aumentaram. Agora todos temos uma televisão no bolso e a carregamos conosco o dia todo, só que se chama celular.
As redes sociais são simplesmente outro tipo de plataforma que requer conteúdos e também publicidade. No entanto, ao criar uma campanha, escolhe-se uma única plataforma e depois se adapta o vídeo às outras, mas gostaria que começassem a escrever e rodar as ideias aproveitando os novos territórios digitais que temos agora.
Faz pouco vi um anúncio filmado totalmente de forma digital para celular e dirigido por Damien Chazelle (o diretor de La la Land e Whiplash). A posta em cena me pareceu brilhante: brincar com esse formato usando o cinema clássico (que geralmente é horizontal).
Giacomo Prestinari oferece o "Domestika Basics: Introdução ao Final Cut Pro X", no qual ensina como dominar este software de edição e o curso "Montagem audiovisual profissional com Adobe Premiere Pro", no qual ensina a contar histórias com imagens em movimento.
Versão em português de @ntams.
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