'Não Falamos do Bruno': por que o público ama o hit de 'Encanto'

Não falamos do Bruno, mas falaremos sobre a narrativa, caracterização e musicalidade magistral de Encanto

Se você ainda não pisou na colorida Casa Madrigal, saiba que nunca houve um momento melhor. Cobrimos a homenagem de Encanto à literatura colombiana em um post anterior e, desde então, a popularidade do filme desabrochou como as flores encantadas de Isabela.

Embora a balada Dos Oruguitas esteja entre as finalistas do 94º Oscar, foi We Don't Talk About Bruno (Não Falamos do Bruno na versão em português), canção que conta com vocais de todo o elenco, que alcançou o primeiro lugar na Billboard Hot 100 dos EUA e na parada de singles do Reino Unido.

Mas, por que somos tão atraídos pela história de Bruno? Descubra neste texto!

Enquanto a família Madrigal se prepara para uma refeição importante com o belo Mariano antes da planejada proposta de casamento para Isabela, vários parentes lembram a jovem protagonista Mirabel de não tocar no nome de seu tio Bruno.

Em uma família abençoada com poderes mágicos, a capacidade de Bruno de ver futuros sinistros não é bem-vinda. Agora, preocupada com o futuro da família, Mirabel decide saber mais sobre ele. Mas, seus familiares têm outras ideias…

Uma obra-prima atmosférica

We Don’t Talk About Bruno constrói o personagem-título como um clássico vilão da Disney. Trovões pontuam o início e o fim; o tom inicial é Dó menor, dando um toque amargo aos vocais.

Somando-se ao efeito, o verde é de longe a cor mais proeminente e marcante na tela. Na verdade, a cena começa com o quarto de Mirabel brilhando com um lúgubre tom de lima que evoca sentimentos maléficos e tóxicos.

O simbolismo não para por aí: imagens arenosas ligam Bruno à passagem do tempo e mudanças imparáveis. Parece mesmo um vilão clássico, certo? Mas, claro – alerta de spoiler – o problema na verdade é a percepção da família sobre ele.

A imagem que têm de Bruno acabou por apagar sua personalidade e sentimentos reais, por isso a inversão da lógica ao longo da trama oferece a quem revê o filme um pouco de ironia dramática.

O momento de todas estrelas brilharem

Há muitas músicas de vilões da Disney – por que essa é tão especial? Talvez porque a atmosfera assombrosa e o humor ácido sejam colocados contra uma linha de baixo divertida e dançante e com muita síncope (quase nenhuma nota cai na batida).

O compositor Lin Manuel Miranda comparou-o a um "montuno (gênero musical cubano) assustador". Podemos reconhecer muitas influências: desde ritmos latino-americanos até à Broadway. É esse ritmo cativante que permite que os personagens (e seus corpos) deslizem pela melodia.

Ao lado da música está a coreografia em constante mudança, atraindo os olhos do observador em torno de cada personagem enquanto dividem fofocas. Assista ao vídeo de referência da coreografia abaixo, que demonstra a atenção aos detalhes na criação de autênticos passos de dança colombianos.

E quando pararmos de admirar a musicalidade, haverá a incrível caracterização da música, na qual vários personagens ganham um momento de destaque.

Começamos com Tia Pepa e seu marido Félix. O contraste entre a forte personalidade de Pepa e a natureza agradável de Félix é claramente aparente em sua dança. Enquanto relatam o dia de seu casamento, um Bruno fictício aparece, encapuzado, trazendo mau agouro.

O céu acima da igreja é de um verde que prenuncia tempestade. Suas expressões tornam-se quase desesperadas, como se temessem a má sorte de tal forma que a própria menção do nome de Bruno pudesse trazê-la.

Então, passamos para um verso mais tranquilo com Dolores. A cantora Adassa usa um rap grave e sussurrante para transmitir a pressão que sente. E isso não surpreende – a calada Dolores realmente pode ouvir os passos de Bruno, como se ele ainda estivesse na casa…

Observe atentamente e verá uma silhueta assustadora com um brilho verde esgueirando-se ao fundo, inclusive balançando a cabeça de forma ritmada. Depois, Dolores confirma suas suspeitas na própria letra: I can hear him now (Posso ouvi-lo agora) - embora suas palavras sejam abafadas pelo refrão.

Primo Camilo não conhece Bruno, por isso só pode usar sua habilidade de transformação para retratar a versão assustadora em seu verso. A representação de Camilo tem olhos verdes escancarados e se esgueira propositalmente - contrastando com o Bruno ansioso e nervoso que veremos mais tarde.

Seus versos também são exagerados. Bruno não é um ser abismal e não consome ninguém durante o sono. Tudo isso demonstra ainda mais o impacto que as ideias de perfeição versus imperfeição tiveram nos netos da família Madrigal.

Após alguns versos solo, há um interlúdio com a cidade, o que mostra que as percepções negativas sobre Bruno se estendem para além da família. Cada morador da cidade relata eventos bastante normais, embora infelizes, sugerindo que as previsões de Bruno na verdade são intuições e não maldições. No entanto, o coro crescente mostra que as pessoas têm sentimentos muito fortes em relação a ele.

Finalmente, temos uma ponte tranquila, totalmente diferente. Passamos para a luz rosa e vemos Isabela em um balanço floral. A profecia de Bruno para ela era uma vida perfeita e onírica. Agora o tom é maior – a única parte da música em que isso acontece.

Após alguns minutos, continuamos recebendo novas perspectivas, embora, é claro, falte a parte mais importante: Mirabel canta "gimme the truth and the whole truth, Bruno" ("me dê a verdade e toda a verdade, Bruno"), pois sente que na história há muito mais do que as anedotas fragmentadas e contraditórias de sua família.

A pressão continua aumentando...

Logo, quando Mariano chega para o jantar, a família se reúne. Esta última seção faz o enredo seguir em frente. A tensão aumenta e o público descobre que essa história escondida não ficará assim por muito tempo. Todos trazem os próprios sentimentos para a mesa (literalmente).

A conclusão é polifônica, pois possui múltiplas vozes e melodias sobrepostas umas às outras. Com todos os personagens cantando ao mesmo tempo, suas vozes se intercalam em protagonismo enquanto os seguimos ao redor da mesa. A louça é convertida em percussão para aumentar ainda mais a sensação de caos. Fica difícil escolher com quem cantar junto!

Mirabel retorna ao próprio quarto e tenta juntar os fragmentos de visões enquanto as vozes se chocam ao seu redor. Quando enxerga a visão completa, tal qual um quebra-cabeça, ela termina a música sentindo-se vulnerável, como se a família pudesse estar certa – as visões de Bruno poderiam levar à destruição da família.

De certa forma, essa música serve a muitos propósitos ao mesmo tempo. Caracteriza os membros da família Madrigal que não têm músicas completas, tornando-os igualmente vívidos e verossímeis.

Além disso, nos atrai com uma batida irresistível e dançante; oferece muitas vozes e diferentes humores para acompanhar e, acima de tudo, captura o tema do filme: a pressão de agradar aos outros e a importância das famílias entenderem e respeitarem as diferenças.

Qual é a sua música favorita do filme? Deixe sua resposta nos comentários!

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Versão em português de @ntams.

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