As cores de Malik
por victorhugodejesusoliveira @victorhugodejesusoliveira
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Introdução
Capítulo 1 – Oi, eu sou o Malik
Oi, meu nome é Malik. Sou um menino bem pretinho. Minha mãe sempre fala que eu era bem pequenininho quando estava na barriga dela e que, de repente, eu cresci e fiquei grandão. Ela também me conta que meu nome significa "rei", uma herança, um lembrete do poder que carrego dentro de mim. Acho legal ser chamado de rei, mas, na verdade, sou só um garoto que adora desenhar, inventar histórias e, às vezes, comer um bolo de chocolate inteirinho (desculpa, mãe).
Minha cor favorita? Todas! Vermelho, amarelo, roxo... até as que ninguém lembra, como turquesa ou marrom. Minha vovó diz que cada cor carrega um pedaço da natureza e que o mundo seria muito sem graça sem a diversidade. É isso que penso enquanto encho meu caderno de desenhos. Mas sabe o que é engraçado? Algumas pessoas parecem esquecer que o mundo é feito de muitas cores, como o arco-íris.
Eu moro com minha mamãe e minha vovó em uma casa simples, cheia de plantinhas que dão vida ao nosso cantinho. Minha vovó diz que elas falam, e, mesmo sem saber se acredito, adoro ouvir sua voz calma enquanto cuida das flores. A mãe? Ah, ela sempre arranja tempo para cuidar de mim, mesmo trabalhando tanto para garantir o básico. Nossa vida não é fácil, o dinheiro é pouco, e às vezes falta mais do que gostaríamos. Entendo que ela tenha que trabalhar tanto, então me esforço para ser independente.
Na escola, nem todo mundo entende por que eu gosto de desenhar arco-íris no meio do recreio. Outro dia, não faz muito tempo, um dos meninos da minha sala riu de mim porque eu disse que gosto de desenhar princesas com cabelos crespos…
— Isso não é coisa de menino, ele disse.
Me senti estranho. Na hora, meu coração ficou pequenininho, como quando você tenta esconder uma lágrima que escapa e cai sobre o papel, borrando a tinta. Mas aí lembrei do que minha mãe sempre fala: "Malik, ser diferente é ser incrível."
Às vezes, é difícil acreditar nisso. Especialmente quando algumas pessoas olham para mim como se eu fosse uma mancha de tinta fora do lugar. Mas sabe de uma coisa? Eu amo ser uma mancha de tinta! Afinal, quem quer ser só preto e branco?
Capítulo 2 -
É muito desconfortável estar nos lugares e não encontrar nenhum colega que seja da minha cor, assim, pretinho como eu. Fico com a sensação de ser sempre diferente, como se não pertencesse ali. Quando eu era menorzinho, eu percebia o olhar das pessoas, os sussurros disfarçados, as brincadeiras que machucavam.
— Você é muito escurinho, dizem, tentando rir.
Mas nunca era engraçado. Me perguntava o porquê de não ser igual às outras pessoas. Talvez, se fosse, me sentiria menos julgado, menos observado.
Minha vó sempre dizia que minha cor era linda, como a terra mais fértil do mundo depois da chuva, rica e cheia de vida. Ela também me conta histórias antigas, dos nossos ancestrais que cruzaram oceanos, carregando em seus corações as cores que ninguém podia apagar. Diz que minha pele carrega o brilho do sol e que cada curva do meu cabelo é uma história. "Você é herança, meu neto. Orixás caminham com você, te protegem e te guiam. Oxum, com suas águas doces, lava sua alma. Xangô, com sua justiça, segura sua mão. Eles estão com você, mesmo quando o mundo parece desabar."
Aos poucos, comecei a entender que ser diferente não é um erro. É como as plantinhas da vovó… Cada uma tem sua cor, seu formato, e todas têm o direito de florescer onde estiverem. As palavras da vovó são como um farol quando o mundo parece querer me engolir. Porque, de alguma forma, elas me lembram que sou mais do que o que vejo ou o que os outros veem. Mas é difícil carregar tanto e ainda ser visto como menos. Isso tudo ainda dói, porque nem todo mundo compreende.
Ainda há momentos em que me sinto perdido, como se as cores do meu caderno estivessem sumindo, como se estivesse me apagando aos poucos e nada pudesse mudar isso. O vermelho ficava apagado, o amarelo e o marrom quase branco. Era como se o arco-íris dentro de mim estivesse desaparecendo.
Por falar em farol... Eu percebi que meu coração batia mais rápido quando via o Akin. Ele era da minha sala e tinha um sorriso que parecia iluminar até os cantos mais escuros do dia. Era diferente, porque nunca tinha sentido isso antes. Gostar do Akin fazia meu peito aquecer, mas também vinha com um peso, uma dúvida.
Capítulo 3 - O mundo colorido de Malik
Hoje, algo incomum aconteceu. Enquanto desenhava no meu caderno, percebi que as cores continuavam sumindo. Não sabia o que fazer, o que será que tinha de errado? Por que isso não parava? Corri para a vovó, com os olhos marejados.
— Vó, minhas cores estão indo embora!
Ela sorriu com aquele olhar calmo e cheio de segredos.
— Malik, será que suas cores só estão esperando você lembrar de onde elas vêm?
Minha mãe, que tinha acabado de chegar do trabalho, ouviu a conversa e se juntou a nós.
— Filho, o arco-íris só aparece quando o sol e a chuva se encontram. É a mistura que o faz brilhar. Você é assim, cheio de cores, mesmo que às vezes elas pareçam sumir.
Mas eu não conseguia entender. Quando subi para o meu quarto, fiquei olhando para o espelho e me perguntando: "Que cores eu tenho? Por que as pessoas acham que eu sou diferente? Será que as minhas cores não são bonitas o suficiente?"
Naquela noite, enquanto tentava dormir, lembrei das palavras da mamãe e da vovó. Decidi que, no dia seguinte, iria descobrir o que havia acontecido com minhas cores.
Acordei bem cedinho e, na escola, prestei atenção em tudo ao meu redor. Vi colegas rindo no recreio, correndo de um lado para o outro. Mas não demorou para ouvir algo que fez meu peito apertar. "Esse lápis marrom nem é cor de verdade!", alguém disse. "Quem usa isso para desenhar? Parece sujeira!", soltou outro.
Na hora, senti uma tristeza tão grande. É como se fosse um potinho de gude, e cada situação fosse enchendo até o ponto de transbordar. Hã! Oh não! Tentei não deixar as lágrimas caírem. Segurei firme meu caderno, mas, quando olhei para as páginas, algo estranho aconteceu. As cores dos desenhos que antes pareciam vivas estavam sumindo, dando lugar a um tom cinza. Era como se o caderno estivesse refletindo o que eu sentia por dentro: vazio, apagado, pequeno.
Fiquei olhando para os lápis de cor no meu estojo, aqueles mesmos que eu usava para desenhar árvores, pássaros, pessoas… tudo. Mas, de repente, veio a pergunta que não queria calar: "De qual cor?" Por que o lápis chamado "cor de pele" não parecia com a minha? Por que parecia que o mundo inteiro achava que a minha cor não era suficiente, ou nem mesmo existia?
No fundo, eu sabia que não era só sobre lápis ou desenhos. Decidi que queria mostrar a todo mundo minha cor. Peguei o lápis marrom e comecei a desenhar. Fiz uma grande árvore cheia de galhos. Em cada um deles, coloquei rostos das pessoas da minha família: minha mãe, minha vovó, meu avô que eu não cheguei a conhecer, mas sei que era tão pretinho quanto eu.
De repente, vi o Akin passando por mim. Ele estava sorrindo, mas não era um sorriso de sarcasmo ou zombaria. Era algo como um apoio, um reconhecimento silencioso. Ele parou por um momento, olhou para o meu desenho e disse:
— Essa árvore é linda, Malik. Eu gosto do marrom. É uma cor forte.
Meu coração quase parou. Akin tinha me notado e visto o meu desenho, e, pela primeira vez, não me senti tão invisível.
A gente mal conversava, mas quando ele passava, eu queria tanto que ele me notasse. Queria saber como ele via o mundo e se ele também sentia as coisas de forma tão confusa como eu, mas o medo era maior.
Era o que eu sentia, quanto mais minoria eu fazia parte, mais difícil parecia ser alguém me notar de uma forma boa. Se não bastasse ser "diferente" de um padrão tão rígido, eu também pensava nos outros grupos, nas outras pessoas que carregam tantas marcas, invisíveis para a maioria. Quanto mais eu via essas diferenças, mais sentia que o mundo, com todas as suas regras e normas, tentava nos apagar. Como se a gente tivesse que se esconder para não ser “demais”.
No fim daquele mesmo recreio, fiquei sozinho na sala de artes, folheando meu caderno. A árvore era minha fortaleza, mas também meu esconderijo. Me perguntava se algum dia eu seria corajoso o suficiente para desenhar tudo o que sentia, e não apenas o que achava que os outros entenderiam.
Minha cabeça estava cheia de pensamentos sobre o Akin, aquele de quem eu contei para vocês. Eu me pegava olhando para ele mais do que devia, sentindo algo que eu não sabia explicar direito. Era uma mistura de admiração, curiosidade e medo. Sempre que ele se aproximava, parecia que meu coração ia sair pela boca.
Naquela noite, sentei com minha mãe na cozinha enquanto ela preparava o jantar depois de um dia bem cansativo de trabalho. O cheiro de alho refogado preenchia o ar, e o barulho das panelas era reconfortante.
— Mãe, você já sentiu algo que não sabia se era certo?
Ela parou por um momento, olhou para mim com um sorriso suave e respondeu:
— Malik, sentir não tem certo ou errado. O que importa é o que você faz com isso.
Hesitei, mas continuei:
— E se você sentir algo... diferente? Tipo, algo que as pessoas podem achar estranho?
Ela se sentou ao meu lado, segurou minha mão e disse:
— Filho, as pessoas acham estranho tudo o que não entendem. Mas a vida é muito curta pra você tentar se encaixar no que os outros pensam. Seja verdadeiro com você mesmo. Sempre.
Não consegui segurar as lágrimas. Era como se ela tivesse lido minha mente, entendido a confusão que eu carregava.
— Você acha que alguém pode ter cores... que não são iguais às de todo mundo? — perguntei, baixinho.
— Acho que o mundo seria muito sem graça se todas as pessoas fossem iguais. É a mistura das cores que faz o arco-íris brilhar, lembra? Suas cores são lindas porque elas contam a sua história.
Naquele fim de semana, nossa casa se transformou em uma tela gigante. Com pincéis e tintas, começamos a pintar a parede. Colocamos ali tudo o que mais amávamos: o sol brilhante, as flores coloridas, e no centro, uma grande estrela que representava nossa família. Eu passei um tempão pintando o rosto de cada um, me sentindo feliz por poder colocar nossas cores no lugar delas, na parede, para todo mundo ver.
Enquanto dava os últimos retoques, disse para minha mãe:
— Mãe, quando eu crescer, quero ser arquiteto ou artista. Quero criar lugares cheios de cor e alegria, como nossa casa.
Ela sorriu, me abraçou e me deu um beijo na testa.
— Tenho certeza de que você será tudo o que quiser, Malik.
A parede ficou linda, cada vez que olho para ela, lembro que minhas cores não são só para serem vistas, mas também para serem sentidas e celebradas. Como o arco-íris, que brilha mais forte quando todas as cores se juntam. E naquele momento, eu soube que as minhas cores nunca tinham ido embora. Elas estavam comigo o tempo todo, esperando para brilhar novamente. Não só nas tintas da parede, mas dentro de mim. Elas eram minhas, e ninguém poderia apagá-las.
Suprimentos
Histórias do cotidiano. Utilizei post-its para organzizar as ideias e o word para escrever
Processo
Queria contar algo que na maioria das vezes é invisibilizado. Mostrar a perspectiva de uma pessoa negra que mesmo na infância já se depara com o racismo e com a homofobia
2 comentarios
cjrezende
Agradeço pela partilha de uma história tão tocante, que dialoga com nossa infância real. Valeu, Victor Hugo!
ibrenman
Profesor PlusEn primer lugar, gracias por compartir tu historia con nosotros.
Me gustó mucho tu historia, muy sensible y con mensajes importantes hoy. Simplemente quitaría la separación en capítulos, podría ser un solo texto.
Espero haber ayudado.
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