Nadando, vivendo
Nadando, vivendo
por Gustavo Behr @gustavobehr
- 68
- 2
- 1
Os meus óculos de natação são negros. Tem detalhes em branco, que parecem ondas. Comprei-os há muito tempo, talvez há três ou quatro anos. Comprei-os para nadar junto do Rodrigo, durante a aula de natação dele. Tal como faço ainda hoje. Todos os Domingos. As lentes estão um pouco sujas, os elásticos um pouco gastos, cansados. Uma vez, no balneário, um senhor explicou-me que o cloro desgasta muito os materiais, que eu devia lavá-los com água limpa, da torneira, em casa. Claro que nunca fiz, nem farei, nada disto… Estes óculos devem ter feito comigo mais de mil piscinas, iluminando a minha vista no fundo da água. Parecem ter um pouco de pó… Será possível?
Piscina após piscina, minuto após minuto, semana após semana, eu e os meus óculos fizemos do nadar uma rotina que não troco por nada. Uma sólida relação. Quase lamento o mês de agosto, longe da água azulada, longe desta febre de nadar. Claro que os trago para a praia, tentando aproveitar as águas do mar. Como foi impressionante nadar com ele em Cacela Velha, nas piscinas naturais que a maré criou. Um privilégio e uma alteração nas vivências conjuntas, entre os meus olhos e as lentes dos óculos de natação.
Lembro de nadar em dias de eleições, lembro de nadar quando eu parecia estar cansado, quando o frio parecia que me iria demover. Sempre corre bem. Não nadar é sempre a pior opção. Como custou o período dos confinamentos da Covid-19, quando não podíamos ir á piscina! Mas também recordo como foi bom o regresso aos mergulhos.
Tenho memórias de estar dentro da piscina desde muito novo. Era outra vida, do outro lado do Oceano. As recordações são no Grêmio Náutico União, em Porto Alegre, no Bairro Petrópolis. Uma piscina enorme, mas claro que com uma parte para crianças. A fazenda em Viamão também tinha uma piscina. Aqui, o meu pai tinha medo que eu nadasse sozinho. Explicou-me que as pessoas podiam sentir cãibras. Eu lá sabia o que era isso! A piscina onde nadei sem boias (e penso que o meu filho nunca usou isso) pela primeira vez foi na avenida Protásio Alves, também na capital gaúcha, numas aulas que a minha escola fez lá. Seguiram-se mais piscinas, uma perto da casa da Bagé, talvez fosse na rua Carazinho, perto da pracinha da minha infância. Nestas épocas, lembro-me de usar uns óculos muito fininhos, brancos, ou uns maiores, amarelos.
Mais recentemente - o que quer dizer há 22 anos ou algo assim - fiz aulas de natação na Piscina da Penha de França, em Lisboa. As pessoas não imaginam a brilhante conjugação que existia ali, no topo da colina. Existia uma piscina e, subindo as escadas, havia uma biblioteca municipal. O que significa que podíamos estar a nadar e, de repente, eramos surpreendidos por Hans Castorp, descido da Montanha Mágica, a nadar na pista ao lado. Ou encontrávamos Rodion Raskolnikov com os pés dentro d’água, a tentar descontrair da tensão de Crime e Castigo. Consta que Guilherme de Baskerville nunca esteve naquela Biblioteca a tentar resolver enigmas, mas poderia ter saltado do livro “O Nome da Rosa” e ido nadar umas piscinas.
Na última vez que passei pela piscina da Penha de França, ela estava fechada - devia ser um crime previsto no Código Penal, fechar piscinas. E já agora, encerrar Bibliotecas também. Mas por estes crimes Raskolnikov não poderia ser punido.
Regressemos à água, rapidamente. Preciso continuar a nadar! Um último mergulho, o mais longe em comprimento e o mais fundo possível! Tudo o que fôlego dos pulmões puder aguentar. São tantas as experiências, sempre boas, a nadar! As melhores de todas saltam à vista.
Ontem ao nadar, deparei-me com algum cansaço, ao fim de vinte e seis piscinas. Não é comum, mas foi assim. Pausei dois ou três minutos e pensei: agora só paras quando fizeres pelo menos mais dez. E assim foi, menos devido à minha condição física (já recuperada) mas porque um golfinho (meu filho) veio brincar comigo nos últimos minutos da sua aula. E que bom é ser interrompido desta maneira! Uma energia especial emana, são momentos únicos. Nadamos lado a lado, nadamos de mãos dadas. Atravessamos o infinito juntos, nadando, fazendo caretas debaixo de água, brincando. Gestos infinitos, tempos infinitos.
E eu com os meus óculos, um pouco desgastados, um pouco estafados, sempre a aguentar e a aproveitar piscina após piscina, repetindo as suas capacidades, numa harmonia, numa canção que se repete todas as semanas.

1 comentario
shaun_levin
Profesor Plus@gustavobehr Hola Gustavo, Un placer ver la versión ampliada de lo que escribiste en los foros. Me gusta la sección sobre la biblioteca y la forma en que imaginas los diferentes personajes de ficción. Tal vez siga ampliando esa sección. ¡Me pregunto si Clarice siquiera se metería en la piscina! La sección también nos prepara para el delfín al final: es una imagen hermosa y los niños realmente son como delfines en el agua. Me gusta mucho la forma en que nombras los lugares y la sensación de movimiento en la historia, especialmente geográficamente. Si quisieras seguir ampliando la pieza –y mi sensación es que hay mucho más para escribir– tal vez escribas más sobre el presente y la sensación de nadar, lo que se siente al estar en el agua, particularmente esas últimas diez vueltas. Es un lindo momento, la forma en que muchas veces nos fijamos esas metas de hacer 5 más, 10 más. Espero que mis sugerencias sean útiles y que sigas agregando detalles a la historia. Gracias por compartir tu trabajo con nosotros y por tu participación. Nos vemos en el próximo curso. ¡Un abrazo desde Madrid!
Entra o únete Gratis para comentar