Natanael e Eu - Por Luís Carlos Sousa
por Luís Sousa @luiscarlosos
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NATANAEL E EU
Projeto Final
Era uma noite de sábado. Tinha acabado uma série de atividades e decidi ir pra casa da namorada. Coloquei umas roupas numa pequena mochila e parti. Dei fé, então, que já eram mais de nove horas da noite pra ir a pé – a distância da casa dela para minha é ligeiramente saudável para uma caminhada. Temendo o perigo gerado pelas ruas mal iluminadas e a noite mal intencionada, bem como levado pela pressa dos amantes, desviei para o ponto de ônibus, esperando que, mesmo naquele horário, a condução não custasse tanto.
Depois de vinte minutos esperando, começou a se aproximar um sujeito numa bicicleta. A cidade anda infestada de ciclistas e eu só percebi que esse não era mais um deles quando estava perto demais – sua pressa misturada com o nervosismo enquanto retirava uma arma da bermuda, mal escondida no elástico frouxo. Balancei a cabeça e franzi a testa e ele apontou a arma pra mim, ainda montado no veículo.
– Me passa alguma coisa. – disse meu atacante, procurando manter o tom de voz firme, mas baixo o suficiente pra não criar alarde.
– Desculpe, não tenho nada. – respondi com certa decepção.
– Não tem nada nos bolsos?
– Somente o bilhete único, amigo. – mostrei o item a ele – Agora tudo é no cartãozinho. Realmente, me perdoe.
– Pois me dê sua bolsa.
– Não sei se vai te ajudar muito, mestre. Infelizmente, ela tá cheia de roupa suja. Tô levando pra lavar agora. – falei, envergonhado pela mentira, a roupa estava toda limpa. – Me perdoe por isso também.
Ele baixou a arma me olhando com pena. Eu abri os braços, inocente, decepcionado por não ter nem mesmo o mínimo para um assalto.
– Me perdoe, cidadão, eu não sou disso, sabe? – falou ele, olhando para meus olhos – mas é que os hômi tão tentando me matar e eu quero pagar logo eles, sabe?
– Oh, amigo, não precisa se desculpar. Eu que tenho que me desculpar por não saber como ajudar você. – respondi numa sinceridade inquietante.
– Pois reze por mim, cidadão.
– Rezo sim, meu querido. Me diga seu nome.
– Natanael.
– Eu rezarei por você, Natanael. Não quero que você leve um tiro.
Ele desceu da bicicleta e me deu um abraço. Correspondi com alguma timidez, mas muita ternura. Olhei nos seus olhos vermelhos e velhos e disse que esperava que tudo ficasse bem. Ele voltou a por a arma na bermuda e partiu com a bicicleta, mas não antes de olhar uma última vez pra mim e me desejar um bom retorno pra casa.
Mais vinte minutos esperando e minha condução chegou. Quando contei o acontecido pra minha namorada, ela perguntou como eu estava, se me sentia com medo.
– Na verdade, espero que Natanael esteja bem. Compadeci da situação dele.
Ela me lançou um olhar ao mesmo tempo incrédulo e incerto. Riu do que respondi, mas acabou me levando a sério quando, no meio da noite, ela me viu ajoelhado ao pé da cama falando quase em sussurro:
– … e, Deus, cuida pra que o Natanael fique bem.
Photo by Anne on StockSnap
OS FUNDAMENTOS
TAREFA 01
Acordei. Coloquei a roupa na máquina de lavar. Fiz café e um pão e comi com uma banana enquanto assistia uma série. Tomei um banho e me vesti, coloquei uma sunga por baixo da roupa. Mandei uma mensagem a um amigo que havia combinado de me levar à praia. Assisti outro episódio de uma outra série. Dormi por cerca de 30-40 minutos. Assisti outro episódio de uma terceira série. Meu amigo mandou uma mensagem dizendo que iria demorar. Fui desenhar. Enquanto arte-finalizava o desenho, meu amigo chegou. Fomos de carro até a praia, acompanhando o caminho pelo Google Maps e atravessando meu bairro, a avenida que liga o bairro da Parangaba ao Centro, atravessamos o Centro da cidade, fizemos uma volta maior passando por áreas culturais tombadas - e conversávamos durante todo o trajeto. Paramos em uma farmácia perto da praia para comprar um protetor solar e naquele mesmo quarteirão pegamos boias no carro e fomos ao mar. Tomamos banho na área pós-rebentação enquanto conversávamos sobre empregos, mulheres, rotinas. Ficamos com fome e almoçamos em um pequeno restaurante perto. Fomos tomar sorvete numa grande sorveteria a vários quarteirões dali. Ele veio me deixar em casa de carro.
TAREFA 02
Acordei 1h da manhã. Eu tinha um compromisso mais tarde, ir à praia com um amigo, mas por conta do calor que me fazia suar e empapar os panos da cama a ponto de ficarem encharcados e frios, me fazendo espirrar, decidi ficar acordado de vez, dividindo a incerteza do estar acordado entre a meia luz do abajur que me ajudava em alguma leitura dos livros à cabeceira da cama e a piscante tela do celular em que eu me transportava às meia-vidas das pessoas em redes sociais. Em algum momento, as linhas de parágrafos dos livros se confundiam com as fotos, criando personagens psicodélicos, anacrônicos, ecumênicos. Os raios do sol batiam entre as cortinas azul-marinhas, despertando-me de minha insônia. Procurei um “fazer”, esperando que o tempo das atividades me desse mais claridade que as subjetividades das ficções. Coloquei a roupa na máquina de lavar. Fiz café e um pão e comi com uma banana enquanto assistia uma série. Tomei um banho e me vesti, coloquei uma sunga por baixo da roupa. Mandei uma mensagem a meu amigo lembrando-lhe da praia. Assisti outro episódio de uma outra série e adormeci enquanto outro episódio de uma terceira série já estava na metade. Não sei quando acordei, mas recordo da mensagem de meu amigo dizendo que iria demorar. Fui desenhar. Enquanto arte-finalizava o desenho, meu amigo chegou. Fomos de carro até a praia, acompanhando o caminho pelo Google Maps e atravessando meu bairro, passamos pela avenida que liga a Parangaba ao Centro, atravessamos o Centro da cidade, fizemos uma volta maior cruzando áreas culturais tombadas - e conversávamos durante todo o trajeto sobre tempo, amores, fazeres. Eu estava vendo romances mal-fadados em redes sociais quando estávamos conversando. Paramos em uma farmácia perto da praia para comprar um protetor solar e naquele mesmo quarteirão pegamos boias no carro e fomos ao mar. Tomamos banho na área pós-rebentação enquanto conversávamos sobre empregos, mulheres, rotinas. Um mergulho e eu estava em meu quarto à meia luz de um abajur em uma meia-vida acordada. A luz penetrava pelas cortinas verde-mar e meu amigo estava ao meu lado falando do dia a dia, das pessoas que partiram, dos trabalhos que não tínhamos. É sempre muito bom conversar em um ambiente tão confortante. Acho que adormeci, pois minha apneia me sufocava e eu desesperado tomava fôlego, saindo das profundezas das águas. É perigoso cochilar no mar. A boia me dá meia-segurança, mas o cordão que me prende é longo o suficiente para que eu sufoque antes de ser içado. Um erro de insones e apnéicos. Ainda bem que meu amigo está comigo aqui no quarto… na praia. No mar. Ficamos com fome e almoçamos em um pequeno restaurante perto. A comida que minha mãe deixou pra gente serviu para evitar que tivéssemos que cozinhar, mas estava sem sal. O atendente nos trouxe o saleiro e também ofereceu azeite de oliva para a salada. Fomos tomar sorvete numa grande sorveteria a vários quarteirões dali. Ele veio me deixar em casa de carro.
TAREFA 03
Acordei por volta da uma da manhã. Eu e um amigo havíamos decidido ir à praia, mas ainda havia uma longa estrada noturna antes da chegada do dia e eu li trechos de um romance esperando o sono vir, mas o dia nasceu antes. Levantei e fiz meu café da manhã, que comi enquanto assistia uma série sobre o livro que havia lido. Mandei uma mensagem a meu amigo avisando que já estava pronto. Assisti outro episódio da série e o sono finalmente veio. Dormi por um tempo desconhecido, acordado quando o livro caiu de minha mão em um grande ruído e outro episódio avançava. Eu havia perdido a lógica daquela narração. Meu amigo mandou uma mensagem dizendo que iria demorar e eu dormi novamente até ele chegar, enquanto eu via a série que me lembrava um livro que eu havia lido, mas não sabia quando. Fomos de carro até a praia, atravessando o Centro da cidade - e conversávamos durante todo o trajeto sobre uma série e um livro. Em algum ponto algo havia se perdido. Paramos perto da praia e pegamos boias no carro e fomos ao mar. Tomamos banho na área pós-rebentação enquanto conversávamos… ou era uma série baseada num romance que eu havia lido? Não saberia mais dizer. Só sei que o dia nascia e eu chegava em casa com meu amigo vindo da praia. Só sei que eu tinha de dormir, porque eu iria com um amigo à praia.
TAREFA 04
Acordei por volta da uma da manhã. Eu e um amigo havíamos decidido ir à praia, mas ainda havia uma longa estrada noturna antes da chegada do dia e eu li trechos de um romance esperando o sono vir, mas o dia nasceu antes. Levantei e fiz meu café da manhã, que comi enquanto assistia uma série sobre o livro que havia lido em minha insônia. Vesti um calção de banho e arrumei minha bolsa de praia com itens essenciais: uma boia, água extra, toalhas. Mandei uma mensagem a meu amigo avisando que já estava pronto e assisti outro episódio do livro, quando o sono finalmente veio. Dormi por um tempo desconhecido, acordando quando o livro caiu de minha mão, enquanto outro episódio da série avançava. Eu havia perdido a lógica daquela narração e a hora da praia? Meu amigo mandou uma mensagem dizendo que iria demorar. Ainda era o mesmo dia, a mesma manhã da praia? Meu amigo chegou e fomos de carro até a praia, atravessando o Centro da cidade, conversando durante o trajeto sobre a série e o livro que a inspirara. Uma história fascinante sobre dois amigos numa cidade à beira-mar. Estacionamos o carro perto da praia e fomos ao mar. Tomamos banho na área pós-rebentação enquanto conversávamos… ou era uma série baseada num romance que eu havia lido? Uma amizade numa cidade praiana possui muitas versões. Pode ser poética se escrita e encantadora se assistida. Essa minha insônia. O dia nascia e eu chegava em casa com meu amigo. Ele tinha me presenteado com um livro de um escritor de nossa cidade. Uma história sobre amigos que iriam tomar banho no mar e como este encontro nunca acontecia. Rimos juntos. Era noite e eu queria dormir, pois no dia seguinte iríamos à praia.
OS ELEMENTOS DA CRIAÇÃO
TAREFA 01
Vimos entulho, barro, uma nuvem de poeira, árvores no quintal subitamente crescido, fundos de casas, o descaroçador do Cavalo-Morto. Enquanto não se fez outra parede, habituamo-nos a saltar os escombros, admirar ferrinhos caprichosos, a máquina a devorar capulhos, pasta de algodão a esvoaçar, lentas, formando uma saraiva grossa e fofa. A diligência do motor, os giros das rodas, da polia, da correia, das serras, substituíam os rumores que nos embalava a safra. - Graciliano Ramos, Infância.
O cheiro laranja de terra seca invadiu os pulmões meus e de minha irmã. O caminho erguido de tijolos que utilizávamos para brincar e importunar vizinhos não mais estava lá, como o piscar de olhos em um salto, consumido pela cal do progresso vomitado pelas estruturas metálicas da mudança. Víamos o descampado irregular de nossa infância, visceral ao caminhar, sendo então substituído pelo mar branco, carinhoso e leve ao toque, que vez ou outra era engolfado pelo epilético e ruidoso monstro cromado banhado de venenoso líquido escuro brilhante verde demoníaco. Como um arauto, a máquina removeu os coletores, os muros, as canções que nos ninavam durante a safra para, sozinho, engolir nossa vida.
TAREFA 02
O cometa veio ao cabo de uns dois anos e comportou-se bem. Minha mãe foi observá-lo da porta da igreja, sem nenhum receio, esquecida inteiramente da predição. - Graciliano Ramos, Infância.
O gigantesco risco de giz no firmamento foi sendo desenhado na primeira aparição da lua, ainda quando o sol recolhia-se atrás das serras que margeavam o vilarejo. Não era nada mais que um esboço, confundindo-se com as parcas nuvens que desapareciam com o apagar do lampião divino. Reconheci sua peculiaridade quando voltava de meus afazeres - aquele risco incompleto, indiscreto, esperando as estrelas - voltei para casa para ser banhado e enfiado no conjuntinho com o qual minha mãe dedicava um especial cuidado, na esperança de me apresentar, em sua própria percepção de decência, às parceiras da igreja. Caminhávamos ao templo lentamente, deixando o sereno vencer o calor para que não suássemos, destruindo o prodigioso trabalho de minha mãe. Eu olhava para o céu e via sendo desenrolado o fio do cometa que, há dois anos, havia sido prenunciado como o fim dos tempos nos folhetos clericais que minha mãe recebia do correio. Ela, mais preocupada com nossa aparência, perdia a beleza do fim do mundo que era construído nos céus com sublime esmero. Na missa, rezamos ao Senhor numa sequência de pedidos, culpas e chagas que traziam imenso pavor, e eu fugia deste medo imaginando como estaria o mundo acabando lá fora. Anjos descendo em carruagens brilhantes seguindo o caminho que estava sendo aberto neste momento e que eu não estava vendo, pessoas banhadas pela luz morna que escorria desta estrada celeste - um quadro encantador demais para ser apreciado no enfurno de uma igreja cantando lamentações funestas. Mas ainda havia esperança em mim, pois ainda não estava ouvindo as trombetas que anunciavam o apocalipse. Talvez o melhor do espetáculo ficasse à boca da noite. Quando finalmente saímos, meu coração acelerado, esperando elogios dos serafins pela vestimenta em que eu estava - alegria dada por minha mãe para a ocasião - a paróquia aos poucos foi-se apercebendo do gigantesco sorriso do céu, o cometa que escondia estrelas, que anunciava futuros, e todos iam parando em sussurros às escadas do templo, ora apontando, ora dando gritinhos de glória. A minha apreensão pelo grande momento foi murchando. Ao cabo de algumas conversas, o arauto do definitivo ainda estava lá e nossa socialização cumprira seus objetivos. Retornamos para casa normalizando o grande acontecimento dos céus e seguimos em nossa rotina pré-sono como sempre. Pela manhã, corri até a janela esperando ver o resultado da passagem do celestes, mas a vida seguia como se nada de especial realmente ocorrera. Foi minha primeira grande frustração. E até vestido para a ocasião eu estava.
Carol é uma mulher completamente segura de si. Possui uma inteligência afiada e auto-centrada, mas voltada ao conforto e hedonismo próprio. Refestela-se com esquemas que levam outras pessoas a se sentirem atraídas ou interessadas por ela, mas tem um singular prazer quando alguém se sente em dívida ou culpada por ter feito ou faltado de alguma maneira a Carol - permitindo que ela tenha algum controle sob a situação ou o indivíduo, estado que ela manterá pelo máximo de tempo que considerar conveniente. Nada abala seu sono e o pesar pelo outro é uma irrealidade para ela. Ainda assim, sente-se especialmente atacada quando alguém - num leve rachar de suas máscaras - fala que Carol está às vias da sociopatia, pois guarda um seguro (e abusivo) amor por pessoas específicas que ela considera caras a seu bem-estar.
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