Mauricio de Sousa: a arte de ilustrar o futebol
Quadrinista relembra criações como Pelezinho, e outros artistas comentam relação entre esporte e desenho
Como todo bom contador de histórias, Mauricio de Sousa mergulha nas suas próprias experiências, no que viu e viveu, antes de trabalhar os personagens e situações com os quais recheia suas criações.
A pelada no campinho de terra, as "brigas" com os meninos da rua de cima, a felicidade com que um grupo de crianças corre naturalmente atrás de uma bola: tudo o que já vimos nas páginas da Turma da Mônica tem a ver com a própria infância do lendário quadrinista.
"Tudo é possível. Nos quadrinhos você pode fazer o que quiser, você passa isso (memórias afetivas). O bom desenhista, o bom artista, consegue", ele nos conta neste vídeo sobre a intrínseca relação entre o futebol e o mundo dos desenhos e ilustrações.
Descubra!
Claro que nem tudo o que Mauricio cria é inspirado unicamente no que ele próprio testemunhou. Como bom repórter — por anos dedicado à reportagem policial num jornal de São Paulo —, ele também sabe escutar as histórias alheias. Foi assim ao criar o primeiro dos seus personagens futeboleiros: Pelezinho.
"Eu o encontrei num voo e o abordei, na lata: 'tenho um projeto para fazer um personagem de história em quadrinhos inspirado em você. O que acha?'. Ele topou na hora. Então, começou um processo que envolveu entrevistá-lo várias vezes e também entrevistar parentes dele. O Pelé também me enviava bilhetinhos contando casos seus, coisas da infância, das experiências dele. Assim, fui construindo o personagem."
Anos depois, ao criar personagens como Dieguito (inspirado no craque argentino Maradona), Ronaldinho Gaúcho e Neymar, esse processo se repetiu.
Mas nem sempre é possível ter um contato direto com o retratado. Ou até pode acontecer, mas não necessariamente antes de criar o desenho.
Eddie Souza, um ilustrador do Rio de Janeiro que é fã declarado de Mauricio, vem se aventurando cada vez mais no mundo da ilustração de futebol. Há alguns anos, ele começou a desenhar uma série de craques para presenteá-los com suas criações. O mito argentino do futebol Diego Maradona ganhou uma caricatura. "Mas ao Pelé ainda não entreguei uma", ele diz, entre risos.
Além de trabalhar em projetos como uma série de caricaturas de mascotes dos principais clubes do Brasil, que teve grande repercussão, Eddie também pesquisa publicações antigas para entender a gênese da paixão dos brasileiros por este esporte.
Ele descobriu que, desde o mítico Jornal dos Sports – cujo proprietário, Mário Filho, irmão do jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues e grande incentivador do futebol no país, dá nome ao estádio do Maracanã – às pioneiras revistas em quadrinhos para crianças O Tico-Tico, a imprensa brasileira abraçou muito cedo o então esporte de elite, ajudando a criar a mítica em torno dele.
"Logo depois da derrota do Brasil para o Uruguai naquela final de 1950, no Maracanã, conhecida como 'Maracanazo', o Luís Sá, um cartunista que trabalhava para a Tico-Tico, criou ilustrações para os principais clubes do Rio de Janeiro. Foi incutindo nas crianças aquela paixão", conta.
Mauricio de Sousa, ainda pequeno, viveu essa fase de explosão. E gerações que vieram depois dele, como a do potiguar César Valença, já nasceram num país indissociavelmente ligado ao futebol.
Mas faltava algo: a integração das mulheres. Algo que pouco a pouco vai acontecendo. Assim como nos campos, a presença delas nas ilustrações futebolísticas ainda recebe menor atenção. César, durante o último mundial feminino, em 2019, começou a dar sua contribuição para mudar esse cenário.
"Um dia eu decidi desenhar a Marta. Publiquei nas redes, e foi um sucesso. Então, todos os dias, eu chegava do trabalho e desenhava uma jogadora diferente. Vi que as pessoas foram curtindo. Meus amigos, minha família, todo mundo embarcou. E passamos as ver os jogos, a torcer por elas", conta.
Mauricio também torce para que as mulheres ganhem espaço. Ele espera por uma grande craque popular que possa se tornar personagem de uma série própria de histórias em quadrinhos.
"Poderia ser a Marta. Poderia ser a próxima que surgir. É preciso acabar com o olhar machista sobre esse esporte", afirma o lendário ilustrador, que, aos 85 anos, continua a criar as bases de todos os seus personagens.
Com a ajuda de uma equipe jovem e ampla dos Estúdios Mauricio de Sousa, em São Paulo, mantém viva a associação entre esporte e quadrinhos.
"É uma ligação saudável. Estimula a atividade física, despertando o interesse pelo esporte nas crianças, e também a criatividade, o prazer pela arte. Acho muito bom." - Mauricio de Sousa
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