Conversas degenerativas

As vísceras estão nuas. Sente o cheiro da calúnia a quilômetros de distância, mas a cama está quentinha e é melhor ficar deitado. Sombrias páginas de excesso figuram como felicidade e esse equívoco o deteriora. Antes da loucura cotidiana, observa do apartamento que as ruas não são mais as mesmas. Decide desenhar o corpo de forma não religiosa ao escolher a melhor roupa. Coloca uma espécie de prudência no bolso e vai. Conversas avarentas são ouvidas, de leve. Avarentos economizam e se escondem em uma concha enquanto a cigarra canta. Antes, eu passava por duas pessoas que tratavam de decidir a vida alheia em meia hora de bate-papo. Hoje, quem está pela primeira vez ao vivo, talvez não escute a conversa.

As conversas ficaram diferentes e o teor delas também. Para os religiosos, conversas degenerativas corroem. Aos incrédulos, são todas bem-vindas. Pouco é necessário para que conversas desse tipo sobrevivam. Bastam duas bocas, dois ouvidos, a nobreza na arte de expor o outro e tudo o mais a gente inventa. O saber fazer precisa de um conteúdo encorpado e, nisto, o ócio pode nos ser útil. A quem não tem o que fazer, bora vasculhar o que o outro tem de melhor e de pior e trabalhar nisso. Disponível para elaborar a morte social do pobre coitado, ao sabor dos acontecimentos. Bisbilhotar a vida alheia torna-se, então, objeto de desejo. Quem se habilita?

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Desarticular o esquema do outro pode ser motivo de prazer. Tomemos cuidado. Há formas de fugir desta tentação. Um filme, uma comida, um diário. Que tudo isso se sobreponha aos olhos abertos fixos logo às sete da manhã, de domingo a domingo. Conversas degenerativas acordam cedo, antes de Lucas. A câmera precisa estar bemposicionada. A falta de certezas, se bem alimentada, é o fundamento da missão cumprida. Virou hábito. E agora? Instalar câmera, tirar a roupa do varal, tomar um suco apreciando a rua, da janela do apartamento. Estratégias não faltam. Restaurantes para ir, lugares para visitar, livros para ler à espera de quem observa Lucas e de todos nós. Tirar fotos com amigos e amigas e dizer PIX para imitar um sorriso, caso este não venha de modo gratuito, pode nos fazer bem.

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O apartamento de Lucas é bem localizado. Quase não fica ali, pois o trabalho ocupa o tempo dele na empresa. Não sei como conseguiu aquele emprego. Todos os dias, ele está bem vestido porque o cartão dele em muito se assemelha ao meu hábito: não tem limites. Fiquei sabendo que o apartamento ao lado está vago. Quer ser minha vizinha? Inicie seu antivírus agora.

Rosa Acassia Luizari